Movimento ‘No Code’ quer tornar inteligência artificial acessível para todos
Um número crescente de novos produtos permite que qualquer pessoa aplique
inteligência artificial sem ter que escrever uma linha de código.
Sean Cusack, engenheiro de software da Microsoft e também um apicultor, queria saber se algo além de abelhas estava entrando em suas colmeias. Então ele construiu
uma pequena cabine de fotografia (uma espécie de vestíbulo de abelhas) que
tirava fotos sempre que algo aparecia por perto. Mas classificar milhares de retratos de insetos se mostrou entediante.
Colegas lhe contaram sobre um novo produto em que a empresa estava trabalhando chamado Lobe.ai, que permite que qualquer pessoa treine um sistema de visão por computador para reconhecer objetos. Cusack o usou para identificar suas abelhas –mas também para ficar de olho na temida vespa assassina asiática.
“Foi muito simples, na verdade”, disse Cusack, acrescentando que a ciência de dados necessária estava “além da minha compreensão”, apesar de sua formação.
A plataforma Lobe permitiu que ele arrastasse e soltasse amostras de fotos e clicasse em alguns botões para criar um sistema capaz de reconhecer suas amadas abelhas e detectar visitantes indesejáveis.
Cusack faz parte de um exército crescente de “cidadãos desenvolvedores”, que usam novos produtos que permitem a qualquer pessoa aplicar inteligência artificial sem ter que escrever uma linha de código de computador. Os defensores da revolução da IA “sem código” acreditam que ela mudará o mundo. Antes era necessária uma equipe de engenheiros para construir um software, e hoje os usuários com um navegador da Web e uma ideia têm o poder de pessoalmente dar vida a essa ideia.
“Estamos tentando pegar a IA e torná-la ridiculamente fácil”, disse Craig Wisneski, propagador do “no-code” e cofundador da Akkio, startup que permite que qualquer pessoa faça previsões usando dados.
A IA está seguindo uma progressão conhecida.
“Primeiro, é usada por um pequeno núcleo de cientistas”, disse Jonathan Reilly,
o outro sócio da Akkio. “Então a base de usuários se expande para engenheiros que podem navegar por nuances técnicas e jargões até que, finalmente, se torna amigável o suficiente para que quase qualquer pessoa possa usá-la.”
Assim como ícones clicáveis substituíram comandos de programação obscuros
nos computadores domésticos, novas plataformas sem código substituem
linguagens de programação por interfaces da web simples e familiares. E uma onda de startups está trazendo o poder da IA para pessoas não técnicas nos campos de imagens, texto e áudio.
Juji, por exemplo, é uma ferramenta projetada para tornar a construção de chatbots de IA tão fácil quanto criar uma apresentação em PowerPoint. Ele usa
aprendizado maquínico para lidar automaticamente com fluxos de conversa complexos e inferir características particulares dos usuários para personalizar cada envolvimento, em vez de simplesmente oferecer interações pré programadas.
Sua cofundadora, Michelle Zhou, disse que o objetivo era dar aos chatbots Juji habilidades humanas avançadas, como inteligência emocional, para que eles
pudessem se conectar com os usuários em um nível mais humano do que os sistemas existentes. Usando o Juji, funcionários da Universidade de Illinois puderam criar e gerenciar seu chatbot de IA personalizado e dimensionar suas operações de recrutamento de alunos.
Mas nem todas as ferramentas existentes são robustas o suficiente para fazer mais que tarefas simples. O Teachable Machines (máquinas ensináveis) do
Google é uma ferramenta de visão computacional semelhante ao Lobe.ai. Steve Saling, um ex-arquiteto paisagista que hoje vive com esclerose lateral amiotrófica, trabalhou com a equipe da Teachable Machines durante cerca de um ano e meio treinando um sistema para ligar e desligar interruptores usando as expressões faciais dele.
“Ele fica mais preciso com mais dados”, disse Saling em um email. Mas ele explicou que o processo de coleta desses dados –fotos de seu rosto em diferentes ângulos e sob luz variável– era trabalhoso, e o sistema nunca atingiu o nível de precisão necessário.
“A automação precisa ser mais de 99% confiável para se depender dela”, disse ele. “As Máquinas Ensináveis chegarão lá, mas ainda não chegaram.”
Mas ainda é o início.
“As ferramentas de IA sem código ainda estão à margem do movimento ‘no code’ maior, porque muitas pessoas não entendem o aprendizado de máquinas o suficiente para sonhar com o que é possível”, disse Josh Tiernan, que administra a No Code Founders, comunidade de empreendedores não técnicos que usam ferramentas sem código, como WordPress ou Bubble.
Mas ele espera que a IA sem código cresça à medida que mais pessoas entenderem seu potencial.
Outra força a favor do sem-código: os avanços na própria IA estão tornando essas plataformas mais poderosas. A OpenAI, empresa cofundada por Elon Musk, possui um vasto sistema de IA, o GPT-3, que pode escrever código quando solicitado com inglês simples. Ele pode até criar sites e fazer outras tarefas básicas de programação. A OpenAI usou o sistema para criar o GitHub
Copilot, ferramenta que funciona como uma função de autocompletar para codificadores, agilizando seu trabalho.
A DeepMind, subsidiária da Alphabet, empresa controladora do Google, deu
um passo além com uma ferramenta de IA capaz de escrever código completo
para resolver problemas complexos apresentados a ela com fala ou texto comuns.
Já os usuários da Power Platform da Microsoft, que inclui uma família de produtos sem código, podem gerar aplicativos simples apenas descrevendo-os.
“Eu poderia dizer algo como ‘Procure todos os registros de clientes do ano passado’, e ele fará isso automaticamente”, disse Charles Lamanna, vice-
presidente corporativo de aplicativos e plataformas de negócios da Microsoft.
Ele estima que metade de todo o trabalho de escritório poderia ser automatizado com IA se houvesse desenvolvedores suficientes para fazer isso.
“A única maneira é capacitar todos para serem desenvolvedores sem código.”
E Cusack, o cara das abelhas? Seu sistema de IA nunca detectou uma vespa assassina, mas captou muitas vespas e tesourinhas se esgueirando em suas colmeias um passo modesto, mas importante para o sem-código.
Fonte: Folha UOL.